segunda-feira, 5 de maio de 2014

Pedaços de papel

Passa-lhe pela mente uma explicação
Narcotizado, despido e trazido para aqui
Faz-se o esforço para lembrar
Fecha os olhos
Segura a cabeça com as mãos
Anda no quarto a tonas
Da ponta dos pés...
Temeroso acordar
Desprotegido
Grotesco na sua nudez
Colcha caída ao lado da cama
Boca amarga
As pegadas repercutindo no crânio
Ferroadas nos miolos
Aproxima-se da janela
Espia para fora, cauteloso
O dia está raiando
No céu desmaiado
A estrela matutina
Casas adormecidas
Calçadas desertas...
A colcha cai aos pés ao anoitececer
A casa vazia
E aquela carta sobre o consolo
Junto do espelho
Nítida lembrança
De sua própria imagem refletida
O papel branco nas mãos tremulas
A voz torna-se um fantasma
A transmitir a si mesmo a notícia terrível...
Depois
A revolta do orgulho ferido
O acesso de fúria
A carta incompletamente lida
Rasgada em pedaços
Atirada no chão
Um peso de papel
A pensar no único trecho da carta
Que ficou guardada na memoria...
Deserto
Sentiu ansioso desejo de ler
De novo a carta inteira
Na esperança de descobrir nas linhas
Que talvez pudesse voltar
Pôs-se a caminhar feito criança
Com curiosidade mórbida
Juntando o que sobrou da carta
Com rosto a tocar os pedaços de papel...





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